Parceria do bem Por Sonja Cáthia

Era uma dessas sextas-feiras comuns na pequena cidade de Aliança do Tocantins. O sol despontava no horizonte, galos cantavam, um bocejo aqui, um espreguiçar ali, o estalar de dedos dos pés antes de calçar as sandálias de borracha e o pular da rede, da cama, do estrado ou do chão duro forrado com papelão. O hábito de lavar a cara, os olhos e enxaguar a boca, era somente uma atitude rotineira. Devagar, no tempo de acordar, a mãe abriu a porta da cozinha, lavou a rabeira e coou o café. O cheiro de café tomou conta da casa e aí sim, todos os sentidos foram despertos. A mãe ligou o rádio e sintonizou na faixa da rádio comunitária, nesse horário o sertanejo invadiu todo o ambiente, a mãe cantarolou pensativa. Lúcio veio devagarzinho abraçou sua mãe com carinho e pediu a benção. Sentou no banco de madeira nos fundos da casa. Na mão um copo com café e um pedaço de beiju, comeu devagar olhando pro céu, observando e ouvindo as revoadas de pássaros cortando os ares. Eram periquitos, papagaios e chicos pretos.
… E ele tão entretido tava que não ouviu a mãe lhe chamando:
– Lúcio, sê viu o carrão que ta aqui na cidade desde ontem?
– Vi mãe, meu colega disse que eles tão vindo de longe pra doar brinquedos pra nós.
– Olha filho, escuta ta falando na rádio… É hoje meu filho, lá na igreja anglicana às 4 da tarde, é daquele Movimento da Sopa Lúcio, sê já foi lá?
– Não mãe, acho que vou hoje lá.
– Aqui tá dizendo que vai ter doação de livros.
– Oba, oba vou chamar o Maurinho pra ir comigo.
Esse dia quase não passou para os dois colegas. Eram três horas e eles já tinham tomado banho e já queriam ir. A mãe pede pra esperar, ela também quer ir.
E lá se foram os três, o local era uma igreja em construção, de longe eles viam as pessoas chegando de todos os lados. Na entrada uma grande faixa dizia: “Parabéns Tânia, pela Idéia fixa em ajudar o próximo”.
– Tânia… Mas quem é Tânia? Perguntou a mãe de Lúcio.
Pois é, eles entraram e foram sentando nos bancos dispostos para esse fim. Foi aí que Maurinho disse:
– Tem uma mesinha ali cheia de livros.
– É mesmo! Será que a gente pode pegar?
Nesse momento chegou uma jovem voluntária da Sopa Fraterna e explicou:
– Pessoal esse é o “cantinho da leitura”, quem quiser ler se aproxime.
Então a meninada foi toda pro cantinho da leitura. E eram tantas figuras, tanto colorido, ainda mais com aquele cheirinho de novo. Alguns manusearam de trás pra frente, de frente pra trás, largavam um, pegavam outro… Lúcio escolheu o que se chamava “A semente da verdade”, Maurinho preferiu “Um caminhão nas estrelas”… Os dois foram pra fora da sala, sentaram nas pedras em baixo do pé de jatobá e se puseram a ler. Foi aí que uma mulher bonitona pegou o microfone e começou a falar.- Essa deve ser a Tânia. Disse Lúcio ao colega.
E não é que ele tinha razão. Ela Tânia Mara e seu companheiro Eduardo, estavam vindo de São Paulo trazer uma porção de coisas para o pessoal do Movimento da Sopa Fraterna e naquele momento para todos alí seriam doados os livros, foi aí que a Tânia lançou o desafio para a criança que fosse lá na frente e contasse a história que leu, ela daria um chocolate de presente.
– Eu vou, disse Lúcio.
– Eu tenho vergonha, disse Maurinho.
Lúcio foi lá frente junto com duas meninas e um menino, contaram o que haviam lido e ganharam aplausos e chocolates.
Já tinha começado as atividades e o povo não parava de chegar. Cerca de 200 pessoas se espremiam tentando ficar no salão. Lúcio, com seus 10 anos de idade, decidiu chegar perto do Furgão cheio de propaganda e fotos bonitas onde leu, “Idéia Fixa por um Sertão 100 Fome”… Então pensou: “essa Dª. Tânia e o Seu Eduardo querem matar a nossa fome”. E foi chegando perto, aí ele viu aqueles brinquedos na caixa e pensou: “E, esses brinquedos como vou ganhar”?
Lá no microfone Tânia e o pessoal da sopa pediam atenção, eles estavam lançando um concurso. Era assim: todos ganhariam um kit com dois livros de acordo com a idade, e depois que lessem os livros interpretariam com desenhos, pinturas e colagens de preferência utilizando materiais recicláveis. Os primeiros colocados, um menino e uma menina ganhariam um brinquedão daqueles da caixa.
– Que fera! Disse Lúcio, vou fazer o trabalho para ganhar aquele vermelho bem ali.
E assim eles passaram aquela tarde gostosa em companhia do pessoal da Sopa e do projeto “Idéia Fixa por um Sertão 100 Fome”, ganharam os livros, tomaram refrigerantes, comeram sanduíches e foram para casa cheios de idéias na cabeça.
O sol se punha no horizonte, às janelas das casas do lugar se fechavam novas revoadas de passarinhos no céu… O dia foi terminando devagarzinho, a noite chegou, mas a cabeça e o coração de Lúcio estavam diferentes, parecia que um novo sentimento nascia e ele pensava alto:
– Como é que Dª. Tânia e seu Eduardo vêm até aqui de São Paulo, pra ajudar a gente?…Eles disseram que a única forma de agradecer a eles é lendo os livros e participando do concurso… Pois eu vou ler, e vou fazer o trabalho mais bonito que eles já viram. Também quero ganhar o carrão vermelho… Se eu não ganhar, paciência, pelo menos eu to agradecendo a eles, mostrando que foi bom eles terem vindo, que o projeto deles é do bem e que agora também quero conhecer essa Sopa que eles conhecem e dão valor… Obrigado Deus! Por ter gente assim no mundo.
Cansado, sem ouvir o galo cantar, pela primeira vez na noite, Lúcio dormiu cheio de esperanças e gratidão.

Veja na íntegra:
http://www.fatosifotos.com.br/novo/
Idéia Fixa

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